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domingo, 15 de julho de 2012

Peripécias de uma Tese de Mestrado

Não conheço ninguém que não tenha surtado durante seu mestrado, principalmente no final, quando os prazos te esmagam e as palavras para escrever os tão sonhados capítulos parece que foram passar férias em outro planeta! Pior é quando tudo o que não aconteceu durante o primeiro ano e meio resolve acontecer em uma semana, te atropela, te esgota e te faz chegar em um beco sem saída.

Pesquisar é a melhor coisa que eu conheço. Idealizar um experimento, planejar as etapas, fazer acontecer, analisar os reultados, ajustar parâmetros, experimentar de novo, até chegar aos "finalmentes". Meu primeiro contato com isso foi em um dos estágios da Escola Técnica, onde eu quantificava mercúrio em amostras de urina de garimpeiros de Alta Floresta, na Amazônia. O procedimento estava bem estabelecido, mas queríamos começar a analizar sangue. Por causa da matriz complexa, os passos para resgatar o mercúrio eram um pouco mais complicados, além de serem em maior número. Dá-lhe contaminar "sangue bom", rodar o procedimento e analisar se a resposta final era coerente com a quantidade que tinha sido introduzida. Eu estava no céu!

Quando olho pra trás e me lembro desses momentos, me pergunto onde está aquela menina cheia de planos, de energia, de vontade de ir além. Ah, sim, ela foi morar em outro país, casou, voltou, separou, teve filho e demorou dez anos para concluir a universidade. A vontade até existe, mas a energia foi ficando pelo caminho. Muito desgaste, muitos atropelos, muito tempo para concluir o que quer que fosse. Chega uma hora em que o ânimo vai embora. Mas não foi tão ruim assim, o dia-a-dia preencheu bem todos esses anos. Fiz um pouco de tudo, li muito, aprendi coisas que talvez nunca vá precisar (mas que me dão o que chamam de "experiência") e na maioria do tempo fui feliz. E o mestrado...

Bem, o mestrado está indo. Não sei pra onde, mas vai. E a melhor parte são as histórias que acontecem e que te fazem perguntar "O que eu estou mesmo fazendo aqui??". Como levar quatro volumes de equipamentos e materiais para o hospital, chegar lá e ver que a câmara de ionização que está na mala não é a que você utiliza usualmente. Não teria muito problema, se o cabo também não encaixasse no eletrômetro. Então você pega o conjunto do hospital e enquanto o físico vai buscá-lo em outro departamento e você está montando o fantoma, chega um paciente interno para uma irradiação de emergência que não estava programada. "Quem é você? O que está fazendo aqui? Tira tudo isso que preciso entrar com o paciente. Quem está te acompanhando?" Isso tudo às oito da noite, quando não deveria ter mais ninguém usando a sala de radioterapia. E então o físico volta, você monta o setup, ele ajusta o acelerador, você faz as primeiras medidas e quando vai passar para a segunda posição ele diz "Puxa, me desculpe, acabo de perceber que inclinei o feixe para justar a distância e esqueci de voltar à posição original". Traduzindo, você tem que medir tudo de novo. São mais de nove da noite e você ainda não tem nenhum dado. Parada para a pizza, que ninguém é de ferro. Ainda quebrei um dos tubos do fantoma depois da janta, mas conseguimos terminar antes de meia-noite. E foram só as primeiras medidas!

Na análise dos dados você percebe que tem muita coisa errada, o seu aparelho de leitura não serve para medir o que você precisa, e para usar o aparelho da universidade você precisaria mudar todo o seu setup de irradiação. Dá pra fazer? Qual o impacto nos cálculos? Não sei, não sei... Idéias para as mudanças? Algumas, mas o tempo é curto, já não dá pra fazer tanta coisa. E se der errado de novo? Talvez seja melhor não arriscar... Mais um projeto sem concluir e mais uma frustração pelo caminho...

Nem tanto, tem muitas outras coisas que fazem meu coração vibrar. A empolgação de um tema de pesquisa até mexe comigo, mas acho que já passei dessa idade, não tenho mais tanto tempo pela frente, não dá pra começar agora o que eu não devia ter abandonado há 15 anos atrás. Mas aquilo, como tudo na vida, foi uma escolha. Eu escolhi ir morar em outro país e tudo foi diferente por causa disso. Não me arrependo. Hoje posso não ter o que eu tinha, mas tenho outras coisas. Os projetos podem não ser nessa área, mas ainda existem projetos. E a vida continua, e no fundo me sinto realizada. Não pelo que deixei pelo caminho, mas por tudo o que eu fiz por ter deixado e estar deixando tanta coisa pelo caminho. Escolhas...